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gestão logísticaJá são mais de três décadas de atuação em Supply Chain. Escolhido como o Profissional do Ano no Prêmio Inbrasc 2018, nosso convidado da entrevista de hoje, André Cordeiro, traz em seu currículo uma extensa experiência em operações internacionais, S&OP, SC strategy, SC Networking Design, Digital SC Solutions, gestão de talentos, contract manufacturing, sourcing estratégico, gestão de projetos, introdução de novos produtos, EHS&Q, fusão e aquisição.

 

Graduado em Engenharia Química pela UFF, com pós-graduação em Administração de Empresas e Administração de Produção pela FGV e, ainda, MBA na Fundação Dom Cabral, Cordeiro já ocupou diversos cargos de destaque, como o de Diretor do Grupo Elfa, Diretor de Operações do Patria Investments, Board Member das Investidas SuperFrio, Natulab, Víncula Elfa, BSL e Lavoro Agro, Diretor de Supply Chain LATAM na Nidera, Diretor de Operações Internacionais na FMC Química do Brasil, Diretor de Operações na Syngenta Ltda., Gerente de Segurança e Qualidade Latam na Novartis Biociências – Sandoz, dentre outras posições de liderança.

 

A vasta experiência, somada à vivência em cadeias de segmentos distintos, proporcionou ao nosso convidado uma visão bastante apurada sobre gestão e execução em Supply Chain, assim como em Gestão de Pessoas. Nesta entrevista, tratamos de temas variados, desde a sua trajetória profissional e aprendizados conquistados, passando pela gestão de cadeias globais, tendências, desafios na pandemia, dicas aos novos profissionais e outros assuntos de grande interesse e relevância. Confira a seguir:

 

 

 

Delage: Quando você percebeu que a sua vocação estava na área de Supply Chain?  

 

André Cordeiro: Na verdade, eu diria que a minha vocação na área de Supply Chain não foi planejada, desenhada. Se você ver historicamente a construção do Supply Chain, essa área foi estendida a partir da manufatura. Não existia uma formação acadêmica em Supply Chain e Logística. Aliás, a Logística ficava sempre por último. O foco era mais na produção. Era, portanto, uma área inexistente, mas com o aumento da necessidade de planejamento de produção, de integrar produção e logística, o surgimento de um setor específico acabou sendo um movimento natural e prático.

 

Naquela época, a indústria pegou os engenheiros e começou a formar em Supply. E foi exatamente isso que aconteceu comigo. Eu tinha (e ainda tenho) uma paixão pela Engenharia Química. Fui trabalhar na produção e, nesse movimento que a indústria fez de formar novos profissionais de Supply Chain, eu acabei “pegando carona”. Então, a formação, a princípio, foi prática e depois teórica. E eu acredito que a Engenharia me ajudou muito com a capacidade analítica e de planejamento. Diria também que essa migração de uma área para outra foi um movimento natural despertado pelo tamanho da oportunidade profissional. Eu resolvi abraçar os projetos de planejamento, de compra e de logística, entendendo que teria ótimas oportunidades de crescimento e desenvolvimento.

 

 

 

D.: São mais de três décadas de experiência em Operações e Logística. Como você vê a evolução do setor e o que destacaria como os grandes aprendizados conquistados?

 

A.C.: Eu acho que foi uma evolução da indústria em si. Em determinadas áreas, existia baixa produtividade e uma concorrência não tão agressiva. Mas, com o tempo, isso passou para um ambiente extremamente complexo, de alta concorrência e alta incerteza. Então, houve a necessidade de integrar processos e fluxo de informação, de  modo que se construísse efetivamente uma cadeia end-to-end, tendo o imput da demanda para fazer toda a programação da planta, até a entrega do produto ao cliente. Dessa forma, eu acredito que a grande evolução do Supply Chain foi pensar no fluxo da informação e de materiais no end-to-end. E foi aí que começou a se desenvolver o conceito de plan, source, make and deliver, ou seja, planejar, comprar, fazer e entregar, com a necessidade muito grande de integração.

 

O aumento da concorrência e da complexidade aumentou a incerteza da cadeia. Eu me lembro do início da minha carreira, quando o meu chefe dizia: “pega o histórico do que vendeu e faz”. No entanto, em um ambiente mais complexo e competitivo, o histórico acabava te deixando para trás. Ou você tinha muito histórico, ou faltava produto e você perdia a oportunidade. E foi a partir daí que se percebeu a relevância em estabelecer uma comunicação com o Comercial, para saber o que eles estão vendo no mercado. Foi também quando iniciou toda a tecnologia de avaliação do demand signals, ou seja, dos sinais da demanda, e demand sensing, isto é, apesar dos sinais, o que a gente está sentindo no dia a dia e o quão rápido a gente pode responder.

 

Eu diria, portanto, que tudo evoluiu muito rápido: de processos e sistemas integrados para a formação de especialistas em planejamento, em compra, em manufatura e logística. Acabou aquela coisa do generalista e passou-se para o especialista. E, então, veio toda uma escola, uma formação. A própria indústria teve atuação ativa, com muita consultoria e ajudando a formar profissionais. Hoje, a gente vê conceitos de Supply Chain e da cadeia end-to-end extremamente sólidos e avançados, com inúmeros casos de sucesso.

 

 

 

D.: Você também tem uma vasta experiência na Gestão Global de Operações. Na sua visão, quais são os principais desafios na administração de uma cadeia extensa, com sites em países de culturas, legislações e logística distintas?

 

A.C.: Eu acho que, em se tratando do gerenciamento de cadeias globais, você tem que pensar globalmente, mas executar regionalmente. E as organizações aprenderam rapidamente isso. A execução local requer a presença e o conhecimento local. Sendo assim, o papel do global está estabelecer políticas e guidelines para possibilitar a aplicação de boas práticas, mas com execução local.

 

Acredito os casos de sucesso de integração global aconteceram quando o global assumiu o papel da ordem e não do controle. A execução local é que deve ter controle. Nesse contexto, é muito importante a organização global assegurar a interação, a harmonização de sistemas, de processos e do compartilhamento de boas práticas, mas delegar a execução regional, com o entendimento do business local, das suas diferentes práticas e culturas.

 


D.: Em relação às cadeias distintas em que atou, como a agropecuária, a de frigorificados e a da saúde, quais são as principais diferenças entre elas que merecem destaque? 

 

A.C.: Acredito que o conceito se aplica em qualquer cadeia, no entanto, você precisa entender a cadeia de valor específica do setor em que está, ou seja, de onde estão vindo os seus fornecedores e para onde estão indo os seus produtos. E se você tiver entendimento da cadeia de valor, você adequa as suas operações para isso.

 

Os conceitos são completamente replicáveis – você tem que planejar, você tem que saber comprar, segmentar produto, segmentar fornecedor, segmentar clientes. Então, conceitualmente falando, eu acredito que você mapeamento a cadeia de valor, você navega, e navega muito bem. E aí você começa a puxar as alavancas de valor dentro da área de Operações no conceito end-to-end.

 

 

D.: Um assunto que não podemos deixar de tratar é o desafio trazido pela pandemia. Como você lidou com esse acontecimento e como conduziu a gestão das operações para que continuassem em atividade? 

 

A.C.: Eu acho que, de uma maneira geral, todo mundo teve que se reagrupar e  trabalhar muito com o cenário. Desse modo, o scenario planning dentro da pandemia foi fundamental, porque a gente não sabia para onde ir. As incertezas eram enormes. E aí nós fortalecemos a nossa competência de scenario planning, a qual permanece até hoje. Além disso, nós entramos em um ciclo de PDCA muito rápido, sem burocracias.

 

Durante a pandemia, eu acredito que vários processos burocráticos foram por água abaixo. E entendo que a simplificação reinou. Quando você tem uma incerteza grande, até imprevisível, você começa a tomar posições para testar – testa, volta, aprende e ajusta. E, na minha visão, que esse ciclo foi bastante benéfico, tanto é que na segunda e terceira ondas nós estávamos muito bem preparados. Nós aprendemos rápido. Quando a segunda onda veio, nós executamos práticas e processos para lidar com toda essa imprevisibilidade de forma muito agil e com um grande ganho de eficiência. Aprendemos a lidar com rotas alternativas, aérea e rodoviária, e aprendemos que dava para fazer mais com o rodoviário. Além disso, nós fizemos muitas análises trade-off. Eu senti que foi um momento em que as organizações se agruparam com uma missão única e isso facilitou bastante a integração.

 

 

 

D.: A atualidade tem sido marcada por uma corrida pela digitalização nas empresas. Como você avalia esse novo cenário, especialmente sob a ótica da Logística, que tem ganhado um protagonismo crescente nas corporações? Você acredita que as empresas que não dinamizarem seus processos e não inovarem podem ficar à margem no mercado? 

 

A.C.: Como processo evolutivo, a digitalização ganhou muito corpo na pandemia em diversos setores. O e-commerce foi uma grande explosão. Aprendemos que o importante é você se posicionar em um ecossistema e entender qual a força que você tem nesse ecossistema Nesse sentido, vimos que a digitalização posicionou empresas sem nenhum ativo. Então, no fundo, a força está na tecnologia, em construir pontes. Eu acho que o maior exemplo é o Mercado Livre, e também podemos citar a Amazon ou Magalu. E quando você aplica isso a outros setores, as possibilidades são enormes.

 

As rupturas que estão acontecendo são grandes. Na área da Logística, as Logitechs estão montando ecossistemas, com tecnologia para integrar o integrar o embarcador ao provedor de serviços. Esse é um exemplo, não necessariamente o que vai aterrissar ou o melhor modelo, mas já existem Logitechs com casos de sucesso e cada vez mais agregando. A área de gerenciamento de risco, que estava fora da Logitech, já vem sendo trabalhada com soluções específicas, setoriais.

 

Então, eu acredito que a grande questão é: “qual a sua posição dentro do ecossistema?”. No meu entendimento, sem tecnologia, você vai ser um player irrelevante. Isso significa baixa margem e baixa penetração de mercado, com todas as consequências. Nenhum setor de negócios ou da indústria pode se dar ao luxo de achar que o modelo tradicional vai perdurar.

 

A logística não fica fora disso e creio que existem duas vertentes que a tecnologia pode trazer. Uma é o ganho de produtividade – lidar com uma complexidade maior, podendo manusear dados com a fonte de criação de valor é muito importante. Seja um WMS ou um TMS, todas essas soluções permitem fazer mais com menos. E a outra vertente é a de gerar novos acessos – a fornecedores, a clientes. Essa conexão da logística com a tecnologia para criar novos acessos e novas oportunidades de negócio é de grande relevância, até pela própria transformação que estamos vivendo.

 

 

D.: Na sua visão, quais são as principais tendências da Logística para os próximos anos? 

 

A.C.: Eu vejo que uma tendência do tradicional end-to-end, com todo esse acesso que estamos tendo às tecnologias, é a de se pensar a cadeia como um grande arquiteto de fluxos, de informações e movimentos. O tradicional especialista do Demand Planning, do Supply Planning ou até da Logística precisa hoje ter a competência de Design, do Network Design. Eu vejo o Supply Chain como uma arquitetura, ou seja, eu vou buscar design ótimo em cima do tradicional. E tudo isso ancorado em tecnologia.

 

É importante destacar também que o pilar são as pessoas. Então, um desafio latente é cuidar das pessoas em um novo contexto, em um mundo que está se transformando. A formação de profissionais e sua retenção, assim como a atração de novos talentos,  passa por uma transformação. Eu acredito que o modelo atual não nos atenderá no futuro.

 

O modelo tradicional de liderar pessoas, o organograma tradicional, está sendo extremamente desafiado. Na minha visão, o desenho organizacional estará muito mais focado em projetos, em proporcionar às pessoas múltiplas experiências, de modo que a arquitetura fique até mais clara, com uma visão do todo. Acredito muito nisso, no conceito do Agile, de formação de squads e com um poder de delegação grande. E, definitivamente, essas transformações passam por um desafio de Gestão de Pessoas, uma gestão efetiva, mais genuína, mais inspiradora e que consiga colocar as pessoas em espaços que elas ainda não estiveram anteriormente.  Isso tem um valor incrível.


 

 

D.: Quais conselhos você daria para um jovem recém formado em Logística? O que é fundamental para o êxito na carreira?  

 

A.C.: Investir em boa formação, ter mindset digital e ser aberto a novas tecnologias é muito importante. E o que eu acho que faz bastante diferença é a capacidade de se conectar com pessoas, de aprender. Os profissionais que foram bem sucedidos e que continuarão sendo são aqueles que possuem um perfil voltado ao aprendizado, ao desejo de se conectar com o mundo e com tendências, e também que sabem construir relações de confiança. Tem que ter um interesse genuíno em pessoas, ser um bom líder ou um bom liderado. Nesse sentido, eu acredito que a competência comportamental pesa muito.  As pessoas que conseguem se agrupar, formando um grupo colaborativo e positivo, certamente se destacam no mercado.

 

Portanto, o meu conselho seria: vá para o mundo, vá conhecer novos cenários, se conecte – não se limite aos conhecimentos e experiências da organização em que atua. A pessoa que tem uma energia alta e positiva e que quer aprender, ao meu ver, está no caminho certo.

 

 

D.: Na homenagem que prestamos a você em nossas redes sociais, percebemos o quanto os profissionais com as quais trabalhou e/ou liderou, o reconhecem como uma grande referência. Qual o segredo para essa relação sólida que permanece até hoje?  

 

A.C.: Na minha trajetória, eu passei por várias escolas. No início, eu peguei uma escola de comando e controle. Eu tinha um chefe suíço que seguia essa escola, mas ele tinha um interesse genuíno em pessoas. E isso era fantástico, encantador. Aprendi muito nessa escola, convivi com grandes especialistas técnicos que ajudaram bastante na minha formação. Tive a oportunidade de conviver com grandes profissionais – os melhores, eu diria. Eles me ensinaram muito e instigaram tudo de mim. E depois, eu vi um ganho muito grande a partir dessas experiências.

 

Então, eu diria que o meu valor é o de compartilhar informação e conhecimento. Eu nunca adotei a ideia de que reter informação é poder. Sempre fui promotor da educação. Gosto de aprender e entendo que uma forma de aprender é compartilhar. E eu acho que quem tem um perfil muito voltado ao aprendizado acaba conseguindo passar muito. Eu adorava ir ao chão de fábrica e me conectar com as pessoas. Aliás, eu fui muito feliz no chão de fábrica. Sempre que eu tinha um problema, eu ia pra lá, me divertia e aliviava…

 

E, associado a isso, eu tinha a vontade de ser bem-sucedido e de ver a empresa bem-sucedida. Felizmente, na minha trajetória profissional, eu participei de muitos projetos de sucesso e isso cria um ambiente bastante positivo na organização.

 

Desse modo, acredito que os elogios dos colegas vêm exatamente de pessoas que também estão voltadas ao aprendizado e a esses princípios. E vejo essa conexão como um prêmio em minha vida. Tenho grandes amigos que eu conheci no trabalho: chefes, colaboradores e pares, e trago isso como uma grande conquista!

 

* A equipe Delage agradece ao André Cordeiro por nos conceder esta entrevista e por dividir conosco sua experiência e conhecimento.